Postado por
Pascom AOR, no site http://www.arquidioceseolindarecife.org/
Com o início do Mês da Bíblia, o arcebispo de Olinda e Recife, dom
Fernando Saburido, envia sua mensagem aos fiéis da Arquidiocese,
fazendo reflexão sobre a confiança na Palavra que transforma. Primeiro
escrito de todo o Novo Testamento, a Carta de Paulo aos Tessalonicenses é
o tema deste mês, facilmente aplicável ao contexto mundial da
atualidade. Boa leitura.
O Evangelho e a vida
A cada ano, a CNBB propõe um tema e um lema para o Mês da Bíblia que
sempre ocorre em setembro. Nesse ano, o livro escolhido é a 1ª Carta de
Paulo aos Tessalonicenses. Essa carta deve ser o fio condutor desse mês
da Bíblia de 2017, com o lema: “Anunciar o Evangelho é doar a própria
vida” (1 Ts 2,8).
Tessalônica é uma cidade que até hoje existe na região da Macedônia,
norte da Grécia. Conforme os Atos dos Apóstolos, no início dos anos 50,
Paulo e sua equipe de missionários passam em Tessalônica e fundam uma
comunidade cristã (At 17, 1-9). Como os chefes da sinagoga perseguem
Paulo, ele é obrigado a fugir para a Pereia. Depois, passa uns seis
meses em Corinto. Ali, recebe notícias boas a respeito dos irmãos de
Tessalônica. Então, junto com Timóteo e Silas, escreve essa carta para
fortalecer a comunidade na fé e para responder algumas dúvidas e
questões que aqueles irmãos lhe mandam perguntar.
A 1ª Carta aos Tessalonicenses é o primeiro escrito de todo o Novo
Testamento. Paulo a escreveu uns 20 anos antes de que saísse o primeiro
Evangelho (Marcos). Embora a carta tenha sido escrita para responder a
problemas concretos da comunidade daquela época, contém muitos elementos
que podem ser atuais em nossa missão. Sem dúvida, o mais importante
deles é que o evangelho não é apenas um ensinamento ou doutrina, mas a
boa notícia do reino de Deus que vem através da manifestação (parusia)
de Jesus, nosso Salvador. Por isso, o anúncio do evangelho só pode ser
feito com a vida e não apenas por palavras. Pede de nós uma permanente
mudança no nosso modo de ser e no modo de nos relacionar com os outros.
Também supõe uma profunda abertura em relação aos problemas e
necessidades do mundo no qual vivemos. Paulo e seus companheiros
escreveram essa carta quando estavam refugiados em Corinto, perseguidos
por chefes religiosos da sinagoga. Eles não foram perseguidos porque
pregavam doutrinas diferentes. O Judaísmo da época tinha uma imensidade
de grupos, cada um pregando interpretações diversas da Bíblia. Paulo e
seus companheiros foram perseguidos pelos rabinos porque faziam
comunidades inclusivas nas quais pobres, migrantes e gente considerada
pelos religiosos como pecadoras eram todos/as acolhidos/as dentro da
comunidade de fé e de vida. Esse é o chão a partir do qual devemos ler a
Bíblia na realidade atual brasileira.
É bom lembrar que, na nossa arquidiocese, em 1968, quando nosso
pastor Dom Helder Camara já tinha sua voz censurada pelos militares e
não podia falar nos meios de comunicação, ele usou a Rádio Olinda e no
mês da Bíblia de 1968 iniciou o programa de rádio “Encontro de Irmãos”
para “devolver a Bíblia aos mais pobres”. Durante uma semana, o
arcebispo falava durante três minutos, comentava um texto bíblico e
propunha duas perguntas para que os grupos formados nas periferias de
nossas cidades continuassem a discutir o assunto proposto. A acolhida
foi tão boa e o resultado tão fecundo que o programa continuou indo
muito além do mês da Bíblia. Durante anos, mobilizou muitos grupos
populares para tempos fortes do ano litúrgico, como novena de Natal, a
Quaresma, o mês da Bíblia e outros. E alguns anos depois (Pentecostes de
1974) começava oficialmente o Movimento de Evangelização Encontro de
Irmãos que até hoje existe em nossa arquidiocese e continua a reunir os
grupos e ligar o evangelho e a vida.
Que esse mês da Bíblia nos faça a todos, fiéis leigos de todas as
comunidades e paróquias da diocese, assim como também a todos os/as nós,
ministros do Evangelho, religiosos/as, diáconos e padres, retomar o
gosto da leitura e da meditação da Palavra de Deus na Bíblia, com
profunda confiança de que essa Palavra transforma a nossa vida.
Em um de seus mais belos escritos, o sermão pronunciado em sua
ordenação presbiteral, Gregório de Nissa, pastor da Igreja oriental, no
século IV, propunha:
“Imagine-se uma pessoa que caminha no deserto,
sob o sol escaldante do meio-dia. Você está sedento e não tem água. De
repente, à margem do caminho, eis uma fonte de águas límpidas e
transparentes ali ao seu alcance. Sem dúvida, não lhe passará pela
cabeça ficar raciocinando sobre a natureza da água, nem perder tempo com
estudos sobre como aquela água chegou até ali. Você vai simplesmente
aproximar-se da fonte, jogar o seu corpo por terra e beber daquela água
até saciar”.
Dom Antônio Fernando Saburido, OSB
Arcebispo de Olinda e Recife